Cicloativismo

Regras de trânsito para bicicletas (e outros veículos)

Muita gente diz que tem medo de andar de bike porque o trânsito é muito perigoso. Guardadas as proporções, isso deve ser verdade em quase todas as cidades brasileiras. Quase diariamente vemos notícias de ciclistas atropelados, e bem sabemos quem é que leva a pior num “acidente” desses. Para se ter uma ideia, somente no estado de São Paulo, morreram 86 ciclistas no primeiro trimestre de 2018.

Isso acontece por muitos motivos, entre os quais eu destacaria dois:

  1. A cultura do brasileiro é a de que as ruas são feitas para os carros e somente para os carros. Nem para os ônibus, nem para as motos, nem para os pedestres e menos ainda para os ciclistas. Em suma, falta educação para o trânsito (e impera a imprudência).
  2. O planejamento urbano (ou a falta dele) reforça essa cultura, uma vez que as cidades não são pensadas para serem compartilhadas, e a lógica é apenas a de fazer caberem mais carros. Em suma, falta educação para quem planeja o trânsito também (e impera a negligência).

Constatado o óbvio, este post tem por objetivo esclarecer um pouco sobre quais são os direitos e deveres dos ciclistas no trânsito, e quais são os direitos e deveres dos outros integrantes desse trânsito – sejam motoristas, motociclistas, pedestres, ou qualquer outra categoria que eu tenha me esquecido aqui -, além, é claro, de reforçar algumas dicas de segurança.

Existe lei para bicicleta?

Existe. E ela se chama Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Essa legislação prevê regras para todos os tipos de veículos, motorizados ou não, e até mesmo regras a serem seguidas pelos pedestres. Logo, não é só o motorista do carro que deve conhecer e seguir essa legislação.

Na definição do Código de Trânsito,  bicicleta é um “veículo de propulsão humana, dotado de duas rodas, não sendo, para efeito deste Código, similar à motocicleta, motoneta e ciclomotor”.

Cabe ressaltar, também, que a principal preocupação do CTB é com a segurança das pessoas – e isso fica evidente em alguns dos artigos que vamos reproduzir abaixo. 

“Mas ciclista não tem vez”

Infelizmente, na prática, isso é verdade, o desrespeito dos motoristas para com os ciclistas é muito grande. Mas é importante ressaltar que a obrigatoriedade de respeitar – e principalmente garantir a segurança – do ciclista está na lei.

Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas: (…)

§ 2º Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres.

Em outras palavras, equivale a dizer que o pedestre tem a preferência sobre os veículos – incluindo as bicicletas. E que os ciclistas têm preferência sobre os veículos motorizados (ou simplesmente: os mais “frágeis” devem ser protegidos pelos demais). Logo, não é apenas uma questão de gentileza, mas também de cumprir a legislação dar espaço e passagem para ciclistas.

Você já conhecia essa ordem de prioridade?

Ciclista: Não trafegue pela contramão!

Outra dúvida muito comum – e, muitas vezes, um erro cometido pelos próprios ciclistas – é sobre em que direção as bicicletas devem trafegar. E a resposta é: na mesma direção dos carros, nunca na contramão! Vejam o que diz a legislação:

Art. 58. Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores.

        Parágrafo único. A autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via poderá autorizar a circulação de bicicletas no sentido contrário ao fluxo dos veículos automotores, desde que dotado o trecho com ciclofaixa.

Ou seja: mesmo que não haja ciclovia ou ciclofaixa, você tem o direito, sim, de ocupar a via. A bicicleta é um veículo, lembra? E sempre na mão correta. Existem controvérsias sobre o que seria o “bordo” da pista, mas o indicado é que o ciclista realmente ocupe a faixa, andando mais no meio, para que o carro seja obrigado a dar espaço e para que haja margem de manobra, caso necessário – andando muito na beirada da pista, você pode se desequilibrar e não ter para onde escapar, podendo cair.

Segurança em primeiro lugar

Muita gente argumenta e crê erroneamente que, andando pela contramão, estará mais seguro porque poderá ver os carros vindo e terá tempo e reflexo para reagir em qualquer situação.

Isso não é verdade, e é duplamente mais perigoso. Primeiro porque, como nos ensinou Newton, no caso de uma eventual colisão frontal, as velocidades dos dois corpos (ou, neste caso, veículos), serão somadas. Ou seja: Se a bicicleta estiver, por exemplo, a 20 km/h, e o carro a 60 km/h, somadas, as velocidades alcançarão 80 km/h no momento do impacto. E é por isso que uma batida frontal é tão perigosa.

No caso de uma possível colisão traseira, as velocidades são subtraídas – e, neste caso, o impacto se daria a 40 km/h (o que, a gente sabe, ainda é muito para um ciclista, que não tem nenhuma proteção ao seu redor, mas já é metade do que seria numa colisão frontal). Não estamos inventando nada. It’s science, bitch.

Mas é claro que ninguém quer se acidentar, né? E, para evitar esses riscos, além de trafegar da maneira correta, há outras precauções que o ciclista deve tomar, e estas são importantíssimas: usar todos os equipamentos de segurança.

Equipamentos obrigatórios

O Código de Trânsito Brasileiro estipula alguns itens de uso obrigatório para as bicicletas:

Art. 105. São equipamentos obrigatórios dos veículos, entre outros a serem estabelecidos pelo CONTRAN: 

(…)

        VI – para as bicicletas, a campainha, sinalização noturna dianteira, traseira, lateral e nos pedais, e espelho retrovisor do lado esquerdo.

O motivo da obrigatoriedade é, sem dúvida, garantir que o ciclista seja visível no trânsito, ou seja, que os motoristas nos enxerguem – diminuindo o risco de sermos atropelados. Por isso, a iluminação dianteira (branca) e traseira (vermelha) é indispensável, principalmente à noite, é claro. Na legislação, fala-se também de iluminação lateral – na verdade, quanto mais, melhor. Algumas roupas e acessórios para ciclistas, inclusive, são equipadas com faixas refletivas, que também contribuem para que o ciclista “chame mais a atenção”.

Já o espelho retrovisor permite que o ciclista enxergue os carros que estão vindo por trás, e a campainha possibilita que se chame a atenção de alguém que esteja obstruindo a passagem.

Capacete: use sempre!

Curiosamente, o CTB não exige o uso do capacete, o que é um lapso absurdo. O capacete é o nosso principal – e talvez único – equipamento de segurança, uma vez que nosso corpo fica completamente exposto quando pedalamos, e proteger a cabeça pode fazer toda a diferença num eventual acidente.

Faremos alguns posts mais específicos sobre equipamentos e detalharemos mais este assunto, destacando também os tipos de capacetes encontrados no mercado. Mas, por ora, o que você deve ter em mente é: mesmo que a legislação não determine, use o capacete! Segurança acima de tudo, lembra?

Motoristas: a distância mínima é de 1,5m

O Código de Trânsito manda, ainda, que os motoristas guardem uma distância mínima de 1,5m ao ultrapassar um ciclista. Ou seja: o correto é que o motorista mude de faixa para dar espaço para a bicicleta. De acordo com o artigo 201, desrespeitar essa norma configura infração média passível de multa.

O espaço é necessário para garantir a segurança do ciclista.

O CTB aponta, em outros artigos, a proibição de o motorista apertar o ciclista contra a calçada ou colar na traseira, e prevê penalidades para estes atos:

Art. 170. Dirigir ameaçando os pedestres que estejam atravessando a via pública, ou os demais veículos:
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa e suspensão do direito de dirigir;
Medida administrativa – retenção do veículo e recolhimento do documento de habilitação.

Art. 192. Deixar de guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu veículo e os demais, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade, as condições climáticas do local da circulação e do veículo:
Infração – grave;
Penalidade – multa.

Art. 214. Deixar de dar preferência de passagem a pedestre e a veículo não motorizado:
I – que se encontre na faixa a ele destinada;
II – que não haja concluído a travessia mesmo que ocorra sinal verde para o veículo; (…)
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa.
IV – quando houver iniciado a travessia mesmo que não haja sinalização a ele destinada;
V – que esteja atravessando a via transversal para onde se dirige o veículo:
Infração – grave;
Penalidade – multa.

Cabe lembrar que, se o motorista tirar fina do ciclista em alta velocidade, deve ser enquadrado em outro artigo do CTB:

Art. 220. Deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança do trânsito:
(…)
XIII – ao ultrapassar ciclista:
Infração – grave;
Penalidade – multa.

Existem diversos outros artigos, no Código de Trânsito, que versam sobre a relação bicicleta x demais veículos. Aqui, nós trouxemos apenas alguns, os mais importantes, mas é altamente recomendado que todo mundo releia a legislação, pois bem sabemos que mesmo motoristas e ciclistas experientes muitas vezes desconhecem as normas.

E, sim, nós sabemos que também tem muitos ciclistas mal educados, e para isso também tem diversos pontos na legislação – afinal, cumprir as regras e garantir a segurança é tarefa de todos.

Nos próximos posts, pretendemos abordar mais detalhadamente alguns temas relativos à segurança e à educação no trânsito.

Acha que faltou alguma informação importante? Quer deixar alguma sugestão de pauta? Ficou em dúvida sobre algo ou encontrou algum erro no texto? Comente! Ajude-nos a melhorar o conteúdo.

Mayara Godoy

Minha primeira bicicleta foi uma Caloi Ceci vermelha com cestinha, quando eu tinha 4 anos. A diferença é que sem as rodinhas eu já levei vários tombos - mas também já fui bem mais longe.

Um comentário sobre “Regras de trânsito para bicicletas (e outros veículos)

Comente